
Aline Coelho Xavier Previdelli
Educadora e pesquisadora independente – Blog IA Inclusiva na Prática
DOI
Artigo apresentado e publicado no CONEDI – Congresso Nacional de Educação Inclusiva.
1.INTRODUÇÃO
A dislexia é definida como um transtorno específico de aprendizagem de origem neurobiológica, caracterizado por dificuldades no reconhecimento preciso e fluente das palavras, na decodificação e na soletração. Além das barreiras no campo acadêmico, a condição pode gerar sentimentos de frustração, baixa autoestima e exclusão social. Relatório da OMS (2022) indica que de 5% a 10% da população mundial apresenta dislexia, o que reforça sua relevância como tema de pesquisa em políticas públicas e práticas pedagógicas.
No cenário brasileiro, a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) e a BNCC (MEC, 2017) estabelecem bases legais para a educação inclusiva. Tais documentos apontam a necessidade de garantir recursos de acessibilidade que permitam não apenas o acesso, mas também a permanência e o sucesso dos estudantes com dislexia. Nesse contexto, o Plano Educacional Individualizado (PEI) e o Atendimento Educacional Especializado (AEE) são instrumentos fundamentais para assegurar práticas personalizadas.
Com o avanço da tecnologia, ferramentas digitais apoiadas pela Inteligência Artificial (IA) têm se mostrado promissoras para apoiar estudantes com dificuldades específicas de aprendizagem. Entre elas, destacam-se os softwares de text-to-speech (TTS), que convertem textos em áudio, e de speech-to-text (STT), que permitem a transcrição de fala em escrita. Essas tecnologias de voz ampliam o acesso ao conteúdo, reduzem frustrações relacionadas à leitura e escrita e favorecem a autonomia dos estudantes.
O objetivo deste trabalho é analisar, com base em revisão bibliográfica e em experiências práticas documentadas, as potencialidades das tecnologias de voz apoiadas por IA na inclusão educacional de estudantes com dislexia, discutindo tanto seus impactos pedagógicos quanto os desafios para sua efetiva implementação.
2.METODOLOGIA
Este estudo caracteriza-se como qualitativo e exploratório, fundamentado em revisão de literatura com recorte temporal de 2015 a 2024. Foram consultadas bases de dados nacionais e internacionais, como Scielo, CAPES e ERIC, utilizando descritores em português e inglês: “dislexia”, “tecnologias assistivas”, “inteligência artificial”, “text-to-speech” e “speech-to-text”.
Os critérios de inclusão contemplaram:
1. Estudos que discutem práticas pedagógicas inclusivas relacionadas à dislexia;
2. Pesquisas que analisassem ferramentas digitais baseadas em voz;
3. Relatórios e documentos de organismos internacionais (OMS, UNESCO).
Foram excluídos trabalhos que tratassem da dislexia sem relação com o uso de tecnologias ou que não apresentassem fundamentação científica consistente.
Os estudos selecionados foram analisados e categorizados em três eixos principais:
(i) acesso à leitura por meio de TTS;
(ii) apoio à produção escrita por meio de STT;
(iii) personalização e autonomia do estudante a partir do uso de IA. Essa categorização possibilitou a construção de uma síntese crítica dos resultados encontrados.
3.RESULTADOS E DISCUSSÃO
A revisão de literatura evidenciou que as tecnologias de voz apoiadas pela IA desempenham papel fundamental na superação de barreiras enfrentadas por estudantes com dislexia.
3.1 Acesso à leitura
Softwares de text-to-speech (TTS), como Natural Reader, Microsoft Immersive Reader e Voice Dream Reader, têm se mostrado eficazes na ampliação da compreensão leitora. Esses recursos permitem que os alunos acompanhem o texto escrito enquanto ouvem a leitura em voz alta, fortalecendo a associação entre grafema e fonema. Pesquisas de Gomes & Alves (2020) confirmam que tais tecnologias aumentam a motivação e a autonomia dos estudantes em tarefas escolares.
3.2 Apoio à produção escrita
Ferramentas de speech-to-text (STT), como Google Voice Typing e Dragon Naturally Speaking, possibilitam que estudantes expressem ideias oralmente e as vejam transcritas em tempo real. Esse recurso reduz a ansiedade diante da escrita, melhora a fluidez na produção textual e permite que o foco esteja no conteúdo, e não apenas na ortografia. Capellini et al. (2017) destacam que o uso dessas ferramentas no AEE favorece a participação dos estudantes em atividades de escrita colaborativa.
3.3 Personalização e autonomia
A Inteligência Artificial potencializa os recursos de voz ao permitir a personalização de velocidade, entonação e vocabulário, adaptando-se às necessidades de cada estudante. Estudos de Karpenko & Ribeiro (2021) demonstram que essa personalização não apenas melhora a compreensão textual, mas também contribui para a autoestima e engajamento dos estudantes. Smythe (2018) ressalta que o uso combinado de TTS e STT amplia significativamente as oportunidades de inclusão escolar.
3.4 Limitações e desafios
Apesar dos benefícios, a literatura aponta desafios importantes:
●Formação docente insuficiente para o uso pedagógico das tecnologias;
●Desigualdade de acesso a equipamentos e internet em escolas públicas;
●Resistência pedagógica por parte de alguns profissionais que associam tecnologia à substituição da prática docente
Essas barreiras reforçam a necessidade de políticas públicas consistentes e de programas de formação continuada voltados para professores, a fim de ampliar o uso consciente e crítico dessas ferramentas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso de tecnologias de voz apoiadas pela Inteligência Artificial representa um avanço significativo para a inclusão de estudantes com dislexia. Ao ampliar o acesso à leitura, apoiar a produção escrita e possibilitar a personalização da aprendizagem, tais ferramentas favorecem não apenas o desempenho escolar, mas também a autoestima e a autonomia dos alunos.
No entanto, a efetividade dessas práticas depende de condições estruturais e pedagógicas: acesso a recursos tecnológicos, formação docente e conscientização sobre o potencial inclusivo da IA. É fundamental que gestores escolares e formuladores de políticas públicas compreendam a importância dessas ferramentas como complementares ao trabalho docente.
Conclui-se que a integração ética, crítica e planejada das tecnologias de voz no AEE e nas práticas pedagógicas da sala de aula comum pode contribuir de forma expressiva para a construção de uma escola verdadeiramente inclusiva, alinhada aos princípios da equidade e da justiça social.
Leia também:
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. MEC, 2017.
DECLARAÇÃO DE Salamanca. UNESCO, 1994.
SHAYWITZ, S. Overcoming Dyslexia. New York: Vintage, 2020.
FLETCHER, J.; VAUGHN, S. Response to Intervention: Preventing and Remediating Academic Difficulties. New York: Guilford Press, 2009.
CAPELLINI, S. A. et al. Dislexia e práticas pedagógicas inclusivas. São Paulo: Plexus, 2017.
MOOJEN, S. M. Dislexia: novos temas, novas perspectivas. Porto Alegre: Artmed, 2019.
SMYTHE, I. Digital technologies for dyslexia support. London: Dyslexia Institute, 2018.
KARPENKO, A.; RIBEIRO, M. Inteligência Artificial e personalização da aprendizagem. Revista Educação e Tecnologia, v. 25, n. 2, p. 45-62, 2021.
GOMES, C.; ALVES, L. Softwares de leitura em voz alta para estudantes com dislexia: uma análise de acessibilidade. Revista Brasileira de Educação Inclusiva, v. 12, n. 3, p. 77-94, 2020.
OMS – Organização Mundial da Saúde. Relatório sobre transtornos de aprendizagem e acessibilidade digital. Genebra: OMS, 2022.
UNESCO. Relatório de Monitoramento Global da Educação 2021: Inclusão e Educação. Paris: UNESCO, 2021.


